No século XXI a humanidade (pelo menos os segmentos mais privilegiados economicamente) alcançou um nível de conhecimento científico e tecnológico, bem como um acesso facilitado a este conhecimento, jamais visto anteriormente. A quantidade de informações com que temos que lidar diariamente em nossas vidas é enorme. A lista de tarefas cotidianas, compromissos sociais, listas de itens “indispensáveis” que precisamos ter em nossos lares, os anos exigidos para formação profissional, as recomendações que preciso seguir para manter minha saúde é muito maior do que de meus avós.
Será que o indivíduo suporta as exigências da vida contemporânea? Será que ultrapassamos o limite do razoável em termos de coisas que podemos pensar, lembrar, resolver e fazer ao longo de um dia? Muitas evidências – colhidas da intuição de cada um quando passa a refletir sobre sua vida e até as científicas – apontam para o preocupante aumento do sofrimento pessoal relacionado ao “estresse” ambiental; de doenças a sofrimento psicológico.
A pessoa “estressada” vai ao médico querendo saber se sua insônia, dores de cabeça, mal humor frequente, cansaço e dificuldades de memória tem a ver com o excesso de trabalho ou multitarefas domésticas e sociais. Ela pode ouvir do médico a confirmação (após, espera-se, de cuidadosa avaliação profissional) desse prediagnostico que ela mesma formulou: “não tem nada de errado com você, você só está estressada, precisa de descansar”. Muitas vezes, infelizmente, esta recomendação sábia somente será mais um item de sua longa lista de problemas a resolver; talvez para o ano que vem.
O primeiro parágrafo deste texto tem um erro fundamental. O culpado para este estado das coisas não é este ente abstrato, onipresente em inúmeros textos semelhantes a este, chamado “sociedade contemporânea do século XXI”. O culpado por eu estar estressado sou eu mesmo. Fui eu mesmo que elaborei minha enorme lista de tarefas e compromissos. Sim, é verdade, que esta lista já era suficientemente grande quando eu alcancei a idade da razão, mas naquela época eu era suficientemente jovem para decidir cortar itens.
Outra expressão popular em posts de saúde – “qualidade de vida” – também parece abstrato demais (apesar de proferido de maneira pomposa). Talvez ele já me traga uma lista grande de coisas para aprender e fazer. Ela me cria expectativas, e estas expectativas me enredarão em compromissos e “sonhos” que cobrarão um alto preço. O preço alto é minha vida. Não dá para dividir no cartão de crédito.
Certa vez ouvia uma conhecida ativista liberiana e minha memória guardou esta seguinte frase: “nós [africanos] não precisamos de estradas, prédios, crescimento e desenvolvimento econômico… essas coisas para viver; nós estamos a milhares de anos aqui; nós vivemos e fomos felizes por milhares de anos sem essas coisas. Quem nos disse que precisamos dessas coisas para viver e sermos felizes?”