Quando Emily quis abraçar a carreira dos seus sonhos, ela imaginou que a melhor opção seria se candidatar a um cargo administrativo inicial e buscar promoções a partir daí.
Havia uma vaga aberta em uma empresa importante de entretenimento em Londres, e seus cinco anos trabalhando em outras multinacionais significavam que ela atendia a todas as exigências.
A estratégia parecia estar funcionando. O setor de recursos humanos da empresa entrou em contato com Emily em questão de dias. Mas havia boas e más notícias.
“Eles disseram que meu currículo era impressionante e que eu era uma candidata excepcional”, segundo ela. “Mas, na entrevista, me disseram que eu era qualificada demais – que rapidamente acabaria entediada em um emprego abaixo da minha experiência.”
Em compensação, a empresa prometeu a Emily um novo cargo. Mas, no fim, isso não deu certo. Emily então ficou presa em um emprego do qual queria sair e se viu em um beco sem saída: era qualificada demais para um cargo inicial na carreira que ela desejava e não tinha experiência suficiente para se candidatar a uma vaga em um cargo equivalente ao seu.
Emily – identificada apenas pelo primeiro nome para proteger sua segurança no emprego – ficou frustrada com todo esse processo.
“Eu preferia ter assumido o cargo do anúncio original”, ela conta. “Talvez eu tivesse achado o trabalho fácil, mas nada impediria a companhia de me promover se eles me achassem boa. Ouvir que eu era ‘boa demais’, no início, foi lisonjeador. Mas, quando percebi que não havia conseguido o emprego, eu me senti ludibriada.”
À primeira vista, ser superqualificado para um emprego pode parecer algo positivo. Um candidato com mais experiência logicamente seria colocado no topo da pilha de currículos. E, para um empregador, contratar um funcionário que exceda as exigências para o cargo parece ser um golpe de sorte.
Mas não é assim que geralmente funciona. Na verdade, ser qualificado demais às vezes pode ser um motivo para ser descartado pelas empresas. Talvez contra sua própria intuição, os empregadores muitas vezes rejeitam candidatos com base no excesso de conhecimento e experiência – mesmo com a dificuldade de encontrar talentos disponíveis no mercado.
‘Bom não é necessariamente bom’
À medida que os trabalhadores progridem nas suas carreiras, eles normalmente assumem cargos mais importantes, gradualmente construindo seus caminhos para postos de chefia ou executivos. Mas, quanto mais alto voam os funcionários, menos alternativas de trabalho eles têm disponíveis.
“Eles caminham em direção ao topo da pirâmide”, explica Terry Greer-King, vice-presidente para a Europa, Oriente Médio e África da empresa de cibersegurança SonicWall, com sede em Londres. “Quanto mais experiência eles ganham, menor é o seu leque de oportunidades. Tentar algo diferente exigiria voltar à base da pirâmide.”
Às vezes, os funcionários querem dar um passo atrás para seguir adiante. Pode ser para uma mudança de carreira, como no caso de Emily, ou porque um trabalhador experiente, lutando para subir o próximo degrau da escada, decide por um movimento lateral ou para baixo, projetando um ganho futuro.
Circunstâncias pessoais também podem influenciar essa questão. Uma transferência ou retorno ao trabalho após uma pausa na carreira pode levar um trabalhador a aceitar um cargo inferior.
Mas, embora essas circunstâncias possam parecer boas razões para os candidatos, encontrar trabalhadores candidatando-se para cargos aparentemente “abaixo” do seu nível atual na carreira pode ser um sinal de alerta para os recrutadores.
Para Greer-King, o currículo de um candidato excessivamente qualificado pode indicar que ele muda de empregos com frequência ou que permanece estagnado, causando suspeitas.
“Para contratar alguém, você precisa ser paranoico”, segundo ele. “Se alguém estiver descendo um ou dois níveis e provavelmente já lidou com as demandas do cargo, você precisa fazer perguntas sobre sua motivação.”
Existem candidatos que conseguem explicar com sucesso seus motivos e convencer as empresas de que realmente desejam dar esse passo atrás, mas outros podem ter dificuldade em convencer recrutadores de que um cargo mais baixo não os deixará insatisfeitos.
A preocupação é que o funcionário superqualificado logo sinta que não tem desafios, ficando entediado e ansioso pela próxima mudança.
“Quando alguém entra em uma empresa, pode levar de três meses a um ano para que seja totalmente produtivo”, explica Greer-King. “Mesmo alguém superqualificado para o cargo não consegue chegar e fazer o trabalho de cara. É preciso entender a cultura, os processos e a tecnologia. Por isso, investir todo esse tempo em alguém, apenas para que saia seis meses depois, não é a decisão mais inteligente na hora da contratação.”
Os funcionários em cargos superiores em setores onde a escada corporativa está bem estabelecida, como a consultoria administrativa, podem ser particularmente vulneráveis aos perigos da qualificação excessiva.
“Alguém pode ter profunda experiência em um campo, candidatar-se a um emprego em outro e acabar apenas ouvindo da equipe de recrutamento que deveria candidatar-se a um cargo mais alto”, afirma Davis Nguyen, fundador da escola de treinamento My Consulting Offer, com nos Estados Unidos. “Mas, se a empresa não tiver um cargo aberto [naquele nível], o candidato acaba sendo rejeitado.”
Para rejeitar esses trabalhadores, os empregadores podem alegar que eles têm experiência demais para o cargo. Ou, às vezes, eles informam que simplesmente não são os mais adequados para a empresa.
“Os empregadores querem contratar a pessoa certa, no momento certo, que possa crescer no cargo, desenvolver-se e amadurecer”, segundo Greer-King. “Os funcionários geralmente querem desafios. Com isso, eles tendem a ser mais felizes e permanecer por mais tempo.”
Questão de agilidade e flexibilidade
“Alguém ‘bom demais’ para o cargo será apenas benéfico para a companhia a curto prazo”, diz Shelley Crane
É claro que empregadores espertos conseguem achar formas de aproveitar trabalhadores superqualificados.
Greer-King afirma que especificamente as pequenas empresas, menos limitadas pelas hierarquias e estruturas corporativas, são mais capazes de contratar funcionários com qualificações altas demais. “As startups [empresas de tecnologia iniciantes] são ágeis e têm flexibilidade”, segundo ele. “Elas podem contratar um candidato superqualificado e justificar essa contratação com um cargo e salário adequados para sua experiência.”
Empregadores ágeis podem também contratar trabalhadores qualificados demais e promovê-los rapidamente, antecipando-se a eventuais sentimentos de tédio, segundo Shelley Crane, diretora na empresa de recursos humanos Robert Half, com sede no Reino Unido. Desta forma, as empresas beneficiam-se da experiência do funcionário, mantendo sua motivação e comprometimento de longo prazo.
“Alguém ‘bom demais’ para o cargo será apenas benéfico para a companhia no curto prazo”, segundo ela, “a menos que haja excelentes oportunidades de crescimento interno.”
As empresas podem também ser mais dispostas a acomodar trabalhadores superqualificados mais jovens. Greer-King afirma que seus motivos para uma mudança para baixo podem ser justificados mais facilmente.
“Quanto mais idade você tiver, maior o prejuízo em uma posição júnior – e é mais provável que sua necessidade imediata seja financeira. Contratar um candidato com mais idade também significaria que ele estará não apenas sendo chefiado por alguém com menos experiência, mas também por mais jovem do que ele – o que pode criar questões estruturais”, explica ele.
No momento, a crise de contratação em algumas partes do mundo significa que os empregadores não podem mais ser tão seletivos com relação aos trabalhadores superqualificados. Greer-King reconhece que eliminar candidatos com experiência excessiva é mais difícil quando a luta pelos talentos é mais intensa.
Mas Crane afirma que as empresas estão mais concentradas em preservar os funcionários atuais, e que candidatos superqualificados ainda estão sendo rejeitados. “No mercado atual, pode ser caro e demorado encontrar alguém novo”, afirma ela. “E quando funcionários superqualificados saem da empresa, ela normalmente volta para o ponto de partida.”
‘Efeito catastrófico’
Os trabalhadores ansiosos por mudanças podem ser tentados a reduzir deliberadamente seus conhecimentos ou omitir experiências no currículo, mas Shelley Crane não aconselha essa prática. Como o histórico profissional do candidato provavelmente será discutido na entrevista de emprego, qualquer desonestidade pode ser descoberta mais adiante no processo.
“Nunca é uma boa ideia enxugar seu currículo”, afirma ela. Crane também aconselha os profissionais, de forma geral, a não se candidatar a cargos para os quais são qualificados demais: “Se candidatar a diversos cargos abaixo do seu nível de conhecimento e ser rejeitado pode ter um efeito catastrófico sobre a confiança”.
‘Retiraram a minha escolha’
Ter paciência e procurar emprego com determinação pode trazer recompensas, mas a realidade é que há candidatos experientes que podem não ter sucesso – e não por culpa deles. Isso pode ocorrer com funcionários de nível sênior, especialmente aqueles que trabalharam em uma mesma empresa por muito tempo.
“Eles podem ter se enraizado na cultura de outro ambiente de trabalho”, afirma Terry Greer-King. “Isso os torna menos maleáveis.”
Mas o inconveniente de ser qualificado demais pode prejudicar qualquer pessoa, como aconteceu com Emily. Embora nunca tenha conseguido o cargo ideal, ela acabou se voltando para a carreira que desejava, encontrando um cargo em uma empresa de entretenimento menor que acabou se tornando uma promoção com relação ao seu emprego anterior.
Mas a experiência de ser considerada qualificada demais para o emprego dos seus sonhos a fez questionar sobre as razões que levam uma empresa a preferir abrir mão de uma boa trabalhadora como ela, que estava feliz por começar por baixo e disposta a agregar valor àquela companhia.
“Candidatei-me ao cargo porque realmente acreditava que poderia oferecer muito para aquela empresa”, afirma ela. “Era minha escolha. Dizer que eu era superqualificada retirou aquela escolha de mim.”
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Worklife.
– Texto originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/vert-cap-62127190