Diferente do que algumas, talvez muitas, pessoas pensam, brincar não é mera recreação, passatempo ou tempo de sossego para pais e responsáveis pelas crianças. Brincar é uma atividade necessária ao desenvolvimento humano em suas diferentes dimensões. Ao brincar a criança tem a possibilidade de entrega real e profunda que lhe proporciona raciocínio, imaginação, coordenação, atuação em diferentes papéis, solução de problemas, relações de afeto, apropriação de regras e de limites.
Quando brinca a criança tem a experiência da alegria e da liberdade, mas ao mesmo tempo de um processo terapêutico, porque ao brincar tem a oportunidade de elaborar suas dores e perdas e nesse processo se reinventa, aprende, conhece e alcança patamares inimagináveis de superações e avanços.
No contexto atual onde as crianças estão sufocadas pela pressa, pelo excesso de informações, pelas longas horas diante das telas, pelos incontáveis brinquedos industrializados, falta-lhes tempo para brincar. Aquele brincar livre, despretensioso, sem aceleração, sem poluição de objetos. Apenas o brincar pelo brincar, o brincar com a imaginação, o brincar de faz de conta, o brincar com a natureza e elementos não-estruturados que se transformam na brincadeira.
Susan Linn, psicóloga norte-americana, autora do livro “Crianças do consumo: a infância roubada”, diz que “uma boa brincadeira é 90% a criança e 10% brinquedo”. Precisamos com urgência oportunizar, incentivar e priorizar o brincar. Cada vez mais roubamos o tempo de brincar das crianças, entupindo-as de atividades extras e de compromissos desnecessários. E justificamos este frenesi com o discurso de que precisamos preparar as crianças para o futuro. As crianças se preparam brincando, em um movimento livre, que respeite sua autonomia e potencialidades.
“O homem só é inteiro quando brinca, e é só quando brinca que ele existe na completa acepção da palavra homem.” essa fala do ensaísta e poeta alemão Friedrich Schiller quando se refere ao papel fundamental do brincar na vida de uma pessoa. É brincando que a criança se humaniza, se desenvolve e adquire habilidades e competências para lidar com a vida em suas diferentes circunstâncias. É brincando que ela se prepara para o hoje e para o amanhã, que consegue fazer escolhas e amadurecer.
Portanto, como afirmou Renata Meirelles, pesquisadora do Território do Brincar, “a criança é no brincar”, deixemos que as crianças sejam crianças, elas terão toda a vida para serem adultos, a infância é um período único e específico na vida de um indivíduo, roubar este tempo dela pode causar prejuízos que jamais poderão ser resgatados.
Então, vamos lá? Abra as portas da brincadeira, não fique estressado com a bagunça, o barulho, a correria, as risadas altas, os sons estranhos, a concentração demorada e insistente, as repetições e tentativas. Deixe a roupa ficar suja, manchada e molhada, compartilhe seus utensílios da cozinha, disponibilize os pedaços de tecido, caixas, folhas, gravetos, tampas e rolhas.
Garantir que as crianças brinquem é um ato social, legal e político, garantir o que a criança brinque é mais que uma opção, é lei (Constituição Federal, ECA e outras). Mas, prefiro dizer que garantir que a criança brinque é um dos mais nobres atos de amor.