Acesso para quem?

A VIDA!

As pessoas vivem a rotina frenética, de casa para o trabalho, levando os filhos para escola e a todos os lugares, correndo atrás do tempo. Acham-se felizes, com o lazer obrigatório, sexo programado, consumo desproporcional do conforto tecnológico e “imprescindível” e, escravas da estética. Buscam sentir-se poderosas e potentes com suas vidas.

De repente, em ínfimos minutos, o inusitado … a deficiência.

Atuações preconceituosas e cruéis em relação às pessoas com deficiência perpassam pela história. Mas, nos dias de hoje, qual a realidade que se impõe?

Ao acompanharmos o movimento histórico da concepção e atuação com o deficiente é fácil pensar: Como as coisas melhoraram! De fato, é inegável a evolução, mas não podemos nos deixar cegar pelas mudanças e não fazermos uma reflexão crítica sobre o preconceito vigente.

O preconceito está em nós!

Todos somos algozes e vítimas dele, aprisionados na violência das ideias pré-concebidas e conceitos impostos sem reflexão.

A pessoa com deficiência pode suscitar no preconceituoso, afetos diversos relacionados aos mais diferentes conteúdos psíquicos. Da mesma forma, que ela própria traz consigo preconceitos oriundos da cultura. Na nossa sociedade, em que o indivíduo “vale” pela sua produção e riqueza, no momento em que fica impossibilitado de exercer papéis profissionais que lhe conferem o status quo, recai sobre ele a imagem de inutilidade e de menos-valia.     

Não raro, há a dor daqueles que se apercebiam como bem-sucedidos vida social agitada e “bem-queridos por amigos” e após a instalação da deficiência encontram-se isolados e excluídos.

A civilização prega o apego às coisas materiais em detrimento as espirituais. Para adquirir tudo o que é imposto trabalha-se mais do que as próprias forças, a vitória da sociedade é a derrota do indivíduo, o qual se sacrifica para sobreviver, na ilusão de que tal sacrifício pode levar ao bem viver. Instala-se a moral do trabalho, seguindo-se a racionalidade do sistema para aprender as suas regras. Desta feita, todos passamos a ser meros executores de papéis, sendo que nos perfis profissionais já estão embutidos as características pessoais para sermos aceitos.

A engrenagem é massacrante, instaura-se o impulso desmedido para o lucro e o fetiche da mercadoria, que não são naturais do homem, mas sim talhados pela sociedade que se mantém de forma violenta, pois a ameaça de não poder suprir a auto conservação é declarada de várias formas. O desespero causado pela possibilidade de não ter trabalho é mascarado pelo consumo irracional, prazeres sem sentido, obediência, acreditar em mentiras manifestas que não enganam a ninguém e a ideologia do sacrifício.

O engodo que está por trás do discurso de que o sacrifício é necessário, vem a serviço de manter a ordem e o poder. A pessoa sacrificada e subjugada imputa a si mesma a culpa do infortúnio sofrido

A pessoa se torna um instrumento facilmente substituível, ela despreza os próprios interesses e sente-se obrigada a desempenhar comportamentos irracionais para se adaptar a sociedade desumana e injusta, não se vislumbra a possibilidade de discutir o assunto. A sociedade esmaga o indivíduo que não lhe apraz e impinge a corrupção do ego pela fragilidade.

A pessoa com deficiência passa a ser uma ameaça, mesmo que imaginária, para os outros, pois nele está contida a frágil natureza da humanidade, a possibilidade das limitações, o sofrimento que se quer negar e ocultar a qualquer preço. A ele é negada a possibilidade de trabalho, seu corpo não condiz à estética preestabelecida, ainda hoje, é considerada por muitos como sucata humana.

O terror de não ter valor de produção e não poder suprir a auto conservação leva os preconceituosos ao asco.

São tantas obrigações, tantos sacrifícios e regras a serem cumpridas, que a mesma dureza que a pessoa deve ter consigo mesma, leva-a ser dura com o outro. Desencadeia o ódio ao mais fraco e a necessidade de julgar-se melhor, para assim, não entrar em contato com as próprias dificuldades e achar-se potente na sua impotência.

A pessoa que se pensava poderosa e depara-se com a instalação da deficiência em sua vida adulta, passa a ser objeto de discriminação não só dos outros, mas de si mesma. Sofre pelos preconceitos que imputava ao ver um deficiente.

Sente vergonha!

O estímulo da vergonha é o olhar do outro, da comunidade, do público. O sentimento de vergonha é provocado pelo afastar-se das normas sociais: o olhar do outro condena quem se afastou ou pensa ter se afastado das normas; por isso, a vergonha é a reguladora da moralidade, é sempre um instrumento do processo da socialização… não raro, a pessoa que adquire uma deficiência ao longo da vida sente-se culpada por este fato, como também, não raro lhe é outorgada essa culpa.

Fantasias de que está pagando por pecados, que é merecimento por má conduta e maus sentimentos, ainda vigoram nos dias de hoje; e são sutilmente veiculados pelos meios de comunicação.

Paira no ar a insinuação de que se a pessoa deficiente tivesse morrido seria melhor, seu crime é a própria vida! Embora atualmente o discurso é da valorização do homem a todo preço, mesmo assim, os deficientes são desprezados e sucumbem a várias formas de morte. A morte física propriamente dita, o suicídio silencioso, o sofrimento psíquico, o confinamento social, a falta de acesso aos cuidados à saúde, educação e trabalho.

Não é mera semelhança com outras fases da história, principalmente no tocante aos pobres. A contradição social vigente precisa ser superada, para que a vida siga seu caminho com sentido, com condições de enfrentamento e findar a exclusão. Para tal, é necessária atenção à dança dos preconceitos de todos e de ninguém, dança envolta na música do social e na melodia da mentira manifesta.

Preciso, eu própria, olhar para meus preconceitos, desencantar-me comigo, reconhecer minha prisão e desconhecimento para buscar a reflexão.

Na rotina frenética, é fácil submergir a ideologia sem atentar para o que está acontecendo. Cultuar o frívolo, passar por cima das emoções, ignorar o sofrimento e continuar sorrindo!

A barbárie não está só naquele que puxa o gatilho, ou assina as leis, ou vende as drogas. Ela está na frieza das ações e não ações, no julgamento do outro, na falta de afeto, de acessibilidade e de solidariedade.

Ressalto, que muitas vezes somos nossos carrascos, qualquer pessoa pode sofrer um infortúnio e ter como sequela uma deficiência. Impossível negar o sofrimento real que as limitações impingem, mas se vitimar e destituir a vida de sentido não precisa ser a penalidade.

Obviamente, não se podem mudar as questões objetivas imediatamente, mas não é preciso compactuar com aquilo que sabidamente é injusto e discriminatório. Olhar para si próprio, reconhecer os limites e inadequações, buscar a reflexão crítica e o esclarecimento, podem fortalecer o indivíduo e este, assim contribuir para uma sociedade melhor.

Enfim, a barbárie do preconceito contra todos e de todos pode findar, quando for extirpada a crueldade contra os homens e descortinada a escuridão que encobre o esclarecimento, para que a VIDA de fato tenha valor

Muito agradecida pela honra de fazer parte de uma revista tão importante para todos!

Com muito carinho,

Sandra Schewinsky          

Fonte:https://issuu.com/manoelcarlosconti/docs/revista_livre_acesso_1

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